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Imprensa
Como a Venezuela alcançou o maior risco de crédito do mundo

Venezuela está ficando sem dinheiro. O preço do petróleo, que responde por quase todas as exportações do país, caiu 75 por cento nos últimos três anos e os investidores preveem que o país caminha para o maior calote soberano de um mercado emergente na história. 

Nenhum país do mundo está mais propenso a descumprir pagamentos, segundo os traders de seus swaps de crédito.

O país já lidera os indicadores das economias mais miseráveis do mundo, com uma inflação de quase 100 por cento no ano passado, a queda da moeda no mercado paralelo para menos de 1 por cento do valor oficial e a escassez de produtos básicos, como detergente e antibióticos. 

Trata-se de uma terrível reviravolta para aquela que chegou a ser uma das democracias mais estáveis da região, famosa por seus carros grandes, pela gasolina barata e pelas rainhas dos concursos de beleza.

Embora os preços dos bonds sugiram que a maioria dos investidores confia em que o país cumprirá uma obrigação de US$ 1,5 bilhão que vence no dia 26 de fevereiro, a perspectiva é mais obscura para os US$ 4,1 bilhões em notas que a empresa petrolífera estatal deverá pagar em outubro e novembro.

A seguir, as respostas para algumas das perguntas mais frequentes a respeito da Venezuela:

Qual é o montante total de dívida da Venezuela?

A Venezuela tem US$ 35,6 bilhões de bonds em dólares em circulação e deve US$ 67 bilhões quando os pagamentos de juros são incluídos. A empresa estatal de petróleo, a Petróleos de Venezuela SA, conhecida como PDVSA, tem US$ 33,5 bilhões em bonds e US$ 52,6 bilhões contando juros.

Se houver um calote, quando é mais provável que ocorra?

A Venezuela conta com o dinheiro para honrar os bonds que vencem em fevereiro, juntamente com US$ 326 milhões em pagamentos de juros neste mês. Em outubro e novembro deste ano, a PDVSA precisará pagar US$ 4,1 bilhões em bonds e US$ 1 bilhão em juros. O preço das notas, de cerca de 56 centavos de dólar, é um indicador do ceticismo de que o país será capaz de fazer isso.

A negociação no mercado de swaps de crédito sugere uma chance de 76 por cento de a Venezuela dar um calote nos próximos 12 meses.

Qual poderia ser o valor da recuperação dos bonds?

As estimativas variam entre 20 centavos de dólar e até 71 centavos no caso dos bonds da PDVSA. Como a Venezuela é tão dependente do petróleo, o valor é bastante dependente do preço do petróleo. As estimativas compiladas pela Bloomberg para o preço do West Texas Intermediate no final do ano variam entre US$ 38 e US$ 70 por barril.

Um segundo fator é a taxa de câmbio que a Venezuela utiliza. O país tem três taxas de câmbio oficiais, que variam de 6,3 bolívares por dólar a 199,9 por dólar, sem contar a taxa do mercado paralelo, de mais de 1.000 por dólar. Uma moeda mais fraca reduziria a razão da dívida em relação ao tamanho da economia, melhoraria a balança comercial do país e diminuiria a alavancagem da PDVSA. Tudo isso implicaria um valor de recuperação mais elevado.

O Barclays diz que os valores de recuperação provavelmente serão mais elevados no caso dos bonds da PDVSA.

Quais ativos internacionais os investidores poderiam tentar expropriar?

A PDVSA possui refinarias, navios-tanque e recebíveis. É claro que o valor dos ativos petrolíferos depende, em parte, do preço do petróleo. Em agosto do ano passado, o Barclays estimou o total entre US$ 8 bilhões e US$ 10 bilhões, mas isso quando o barril de petróleo valia pelo menos US$ 50.

Os ativos operacionais da Citgo Holding, subsidiária de refino da PDVSA nos EUA, já foram prometidos aos credores. O total de US$ 1,5 bilhão em bonds da unidade com vencimento em 2020 são garantidos por uma participação acionária de 100 por cento na Citgo Petroleum.

Como as coisas chegaram a esse ponto?

Durante seus 14 anos no cargo, o ex-presidente Hugo Chávez nacionalizou empresas e ampliou a influência do governo sobre a economia. Na época de sua morte, em 2013, a indústria doméstica já tinha sido mutilada, deixando a Venezuela quase totalmente dependente das importações de bens de consumo. Essas importações eram pagas com receitas do petróleo.

O modelo econômico, caracterizado pela generosidade e pela ineficiência do governo, no entanto, era mais ou menos sustentável com os preços do petróleo acima dos US$ 100, apesar da escassez ocasional de papel higiênico e do fato de o governo ter comprometido a maior parte de sua produção petrolífera com o pagamento dos empréstimos da China e com subsídios a aliados regionais, como Cuba.

Com a queda dos preços do petróleo, o governo passou a depender mais da emissão de dinheiro para honrar suas despesas, o que ajudou a gerar a inflação mais elevada do mundo e a transformar o bolívar do mercado paralelo na moeda de pior desempenho do planeta.

Em meados de 2014, com o petróleo rondando entre US$ 90 e US$ 100, a Venezuela estava em problemas. O presidente Nicolás Maduro, sucessor escolhido a dedo por Chávez, poderia ter ampliado a receita do país em bolívares ao desvalorizar a taxa de câmbio oficial de 6,3 por dólar, por meio da qual vendia a maior parte de sua moeda forte. Contudo, ele adiou a decisão -- possivelmente devido ao medo do impacto inflacionário que um movimento assim poderia provocar -- e preferiu adotar uma série de medidas relutantes e insuficientes.

Agora, com o petróleo do país custando cerca de US$ 25 por barril, a receita da Venezuela com o petróleo cairá rumo aos US$ 22 bilhões neste ano, segundo o Bank of America. O montante mal dá para cobrir os US$ 10 bilhões em serviço da dívida dos bonds, US$ 4,3 bilhões em importações para o setor petrolífero e US$ 6,2 bilhões em pagamentos de empréstimos da China, escreveu o banco em uma nota, no dia 8 de fevereiro.

A menos que Maduro corte os subsídios do governo e desvalorize a moeda, a Venezuela não terá uma receita restante em dólares suficiente para pagar dívidas e importar alimentos.

Um possível calote seria o maior de um país na história?

Não, seria o segundo maior. A Grécia deu um calote de US$ 261 bilhões em março de 2012, segundo dados da Moody’s Investors Service. A Argentina deu um calote de US$ 95 bilhões em 2001.

A Venezuela deu algum calote antes?

Em dez oportunidades, sobre dívidas internacionais, a maior parte delas no século 19, segundo dados dos economistas Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff, da Universidade de Harvard. A Venezuela deu calote pela primeira vez em 1826, 15 anos após declarar independência da Espanha.

Mais recentemente, em 2005, o país não realizou pagamentos de bonds ligados aos preços do petróleo depois que o governo demitiu executivos da PDVSA que estavam em greve e o caos resultante disso tornou os preços necessários para calcular os pagamentos indisponíveis. Os bonds não pagos eram os chamados Brady, que resultavam de uma reestruturação de dívida após um calote ocorrido em 1990.

De que forma um calote venezuelano diferiria do calote da Argentina?

Com sorte, ele não seria tão longo. O calote da Argentina se arrasta há 14 anos porque os sucessivos governos têm desafiado os investidores que se recusam a aceitar prejuízos de 70 centavos por dólar e os contestam na Justiça dos EUA. A Venezuela, por outro lado, provavelmente estaria motivada a acertar as contas mais cedo para liberar suas remessas de petróleo, segundo a Nomura.

Os bonds da Venezuela têm cláusulas de ação coletiva, o que significa que, para se chegar a um acordo de reestruturação com a maioria dos detentores de bonds, seria preciso que todos aceitassem o acordo. A regra não se aplica às notas da PDVSA. Os investidores estão divididos quanto a se esta condição torna o calote de um ou de outro bond mais provável ou mais fácil de solucionar.

“Cada calote soberano é único”, escreveu Siobhan Morden, chefe de estratégia de renda fixa latino-americana da Nomura, em uma nota a clientes, em fevereiro.

Existe alguma esperança de que as coisas melhorem?

Existe um argumento a favor da tese de que nem tudo está perdido.

Primeiro, o governo poderia implementar reformas, como cortes nos subsídios à gasolina ou a desvalorização da moeda, que lhe permitiriam esticar muito mais sua receita em dólares. O Bank of America diz esperar que a Venezuela realize todos os pagamentos de bonds deste ano, desde que também modifique o regime cambial, relaxe os controles de preços e reduza os subsídios.

Segundo, a oposição política está ganhando terreno. A oposição conquistou dois terços da Assembleia Nacional nas eleições do final do ano passado, o que lhe dá amplos poderes para demitir ministros, bloquear decretos presidenciais e impedir nomeações de juízes.

Terceiro, a China poderia surgir com um novo financiamento. O país asiático já emprestou cerca de US$ 17 bilhões à Venezuela e presume-se que poderia sair ao resgate novamente.

Quarto, os preços do petróleo poderiam subir. O país consegue se manter com um preço médio de US$ 50 a US$ 65 por barril neste ano, segundo estimativas do Barclays, do Bank of America e da Nomura.

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